Quinta-Feira, 18 de Abril de 2024

Cidades de Mato Grosso registram mais de 50 mil casos de adolescentes grávidas em 04 anos




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Aos 16 anos, Aparecida Cristina Santos queria ingressar no ensino médio e, depois, entrar na universidade. O sonho dela é cursar Medicina Veterinária. Os planos da adolescente, porém, foram suspensos após descobrir que estava grávida.

Assim como Aparecida, outras jovens mato-grossenses também engravidaram durante à adolescência. Conforme dados da Coordenadoria de Vigilância Epidemiológica da secretaria de Estado de Saúde, foram registrados mais de 51 mil casos de gravidez na adolescência – dos 10 aos 19 anos – entre 2014 e 2018, em todo o Estado.

Somente na região da Grande Cuiabá, 13 mil adolescentes se tornaram mães nos últimos cinco anos. Aparecida mora em Cuiabá, cidade que mais registrou casos de gravidez na adolescência em todo o Estado. No ano passado foram 2.143 gestações – o número abrange toda a Baixada Cuiabana. O segundo município com mais casos é Rondonópolis, com 1.346, seguido por Sinop, 1.154 gestações.

Proporcionalmente, entre os casos de gravidez de todas as idades, São Félix do Araguaia registra o maior índice de gravidez entre adolescentes. Na cidade, 24,3% das gestações envolvem jovens na faixa etária de 10 a 19 anos. Já na Grande Cuiabá, 13,8% dos nascidos vivos são filhos de adolescentes.

A ginecologista obstetra Zuleide Cabral, vice-presidente da região Centro-Oeste da Sociedade Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia da Infância e Adolescência, explica que casos de gravidez na adolescência são mais comuns entre jovens de baixa renda. “Entre os fatores que podem contribuir para essa gravidez estão a baixa escolaridade, o início precoce da vida sexual, a ausência de projetos para o futuro, autoestima baixa, drogas ou violência familiar ou abusos sexuais”, pontua a médica.

Cabral ressalta que a ausência de informações sobre métodos contraceptivos também faz com que muitas jovens engravidem. “Muitas não conhecem sobre contracepção ou não recebem as informações adequadas. Falta orientação adequada, em muitos casos”, afirma a especialista.

Histórico familiar - Aparecida namorava há cinco meses quando descobriu a gestação, em 2016. A jovem, hoje com 19 anos, tem sete irmãos. Uma das irmãs mais novas dela teve filho, recentemente, aos 15 anos. A mãe delas teve o primeiro aos 17 anos. “É comum haver casos de mães que engravidaram na adolescência e a situação se repete com a filha”, diz Zuleide.

A descoberta da gravidez deixou Aparecida abalada. “No começo, fiquei muito mal. Foi um baque. Não me imaginava grávida. Queria estudar, me formar, para depois engravidar. Depois do susto inicial, acabei me acostumando”, comenta. “A minha mãe não gostou também. No começo, ela falou bastante coisa. Me disse que eu era nova, deveria estudar e que não era fácil ser mãe tão cedo. Mas no fim, ela me apoiou”, acrescenta.

A jovem relata que não sabia sobre métodos como anticoncepcionais. “Eu só conhecia a camisinha, nunca tinha ouvido falar sobre outra coisa”, diz. Ela afirma que engravidou por “puro descuido”. “A gente sempre usou camisinha, mas um tempo depois, deixamos de usar. Eu sabia que poderia engravidar, mas não imaginava que isso fosse acontecer comigo tão cedo”, relata.

A gravidez da jovem foi considerada de risco. “Fiquei internada por duas vezes”, diz. Em razão das dificuldades, ela teve de abandonar os estudos. Na época, a jovem cursava o nono ano do ensino fundamental. Desde então, não retomou os estudos. Segundo a ginecologista ouvida pela reportagem, os principais problemas da gravidez na adolescência acontecem quando a jovem não faz o pré-natal adequado. “Entre as classes populares, são comuns casos de pré-natal inadequado. Normalmente, elas iniciam o acompanhamento tardiamente e não o fazem de maneira adequada”, explica.

O bebê de Aparecida veio ao mundo no tempo previsto. Após o nascimento da criança, a jovem teve depressão pós-parto. “Tive muitas dificuldades para pegá-lo no colo pela primeira vez, porque não aceitava que tinha me tornado mãe. Foi muito difícil. Precisei passar por acompanhamento psicológico”, relembra.

Hoje, o filho da jovem está com três anos. Ela e o marido, de 21 anos, se casaram ainda na época em que a jovem estava gestante. O garoto passa o dia em uma creche e o companheiro de Aparecida trabalha como garçom em um restaurante da Capital. A jovem conta que tem tentado encontrar um emprego. “Tenho tentado, mas não tive nenhuma resposta até agora, principalmente porque não tenho estudo”, relata.

“Suspendi o anticoncepcional" - Assim como Aparecida, Letícia* também engravidou aos 16 anos. A jovem, que mora em Campo Verde (a 140 km de Cuiabá),  conta que namorava há um ano e tomava anticoncepcional quando decidiu suspender o uso do contraceptivo. “O médico havia me dito que eu tinha cisto no ovário esquerdo e, por isso, somente conseguiria engravidar com tratamento”.

Letícia estava no segundo ano do ensino médio. Ela também teve gestação de risco e teve de abandonar os estudos porque deveria permanecer em repouso, conforme orientação médica. Na época, ela morava há alguns meses com o namorado, de 22 anos, hoje marido. A mãe da jovem não aprovou a gravidez da filha, a princípio, mas logo apoiou a gestação da adolescente. “Ela sabia que ter um filho iria interromper toda a minha vida”, conta. A jovem, que planejava concluir o ensino médio e cursar agronomia, passou a dedicar-se exclusivamente à gravidez. “Recebi apoio do meu marido e de meus parentes. Isso foi muito importante”.

A filha de Letícia nasceu em novembro. Nos primeiros dias, a jovem afirma que ficou completamente perdida. “Durante uns 40 dias, eu chorava muito, porque não sabia como cuidar da minha filha. Já havia cuidado do meu irmão mais novo, mas era uma situação diferente, porque desta vez a filha era minha”. Ela conta que a vida mudou completamente desde a gravidez. “Antes de engravidar, eu quase não parava em casa. Hoje, não saio de casa, porque preciso cuidar dela. Meu marido trabalha e eu fico aqui”, diz.

A adolescente relata que, apesar do amor pela filha, não queria ter engravidado na atual fase da vida. “Eu deveria ter aproveitado mais a vida, porque agora me dedico exclusivamente a ela. Queria ter um filho só depois de ter uma estabilidade financeira”. Letícia planeja voltar a estudar, concluir o ensino médio e ingressar em uma universidade. No entanto, ela não sabe quando conseguirá voltar à sala de aula. “Ainda é muito incerto, porque não tenho com quem deixar a minha filha”, lamenta.

A ginecologista Zuleide ressalta que é fundamental que as mães adolescentes recebam ajuda para que possam fazer planejamento do futuro. “Uma vez que a adolescente engravida, há uma chance maior para ela ter uma nova gestação. Vários fatores influenciam, como baixa renda familiar, falta de trabalho ou estudo e a ausência de um projeto de vida”, comenta.

Nesta linha, pondera ser importante que essas jovens recebam acompanhamento no pós-parto, para que tenham orientações adequadas sobre contracepção, além de fazer um planejamento sobre o futuro. Aparecida comenta que não planeja ter outro filho pelos próximos anos. Neste mês, quer voltar a estudar. Para a jovem, é uma forma de retomar a rotina e voltar a sonhar. Ela aconselha outras adolescentes a não engravidar. “Muitas arrumam um namorado e acham que vão viver a vida inteira com ele. É um pouco de inocência, porque o sonho de toda menina é casar e ter filhos. Mas isso não precisa acontecer tão cedo”, comenta.


Autor: Vinícius Lemos com RDNews


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