Exportações do agronegócio de Mato Grosso em 2018 movimentaram US$ 15,904 bilhões. Cifra que ajustada à taxa de câmbio do período - em torno de R$ 3,87 - chega a R$ 61,552 bilhões.
Todo o saldo financeiro provém, essencialmente, da comercialização de produtos primários ou semiacabados com outros países. Esse tipo de operação é isenta da cobrança de Imposto sobre Circulação de Mercadorias, Bens e Serviços (ICMS), conforme prevê a Lei Kandir. Enquanto isso, a arrecadação de ICMS é inferior.
Em 2018, o governo recolheu R$ 10,224 bilhões com a cobrança do principal imposto estadual. A quantia assegurada com as exportações de matérias-primas foi 6 vezes maior que o ICMS recolhido no último ano. Convertido o saldo dolarizado das exportações para valores em reais verificase aumento de 28,91% ou R$ 13,807 bilhões (US$ 1,348 bilhão) sobre o faturamento alcançado em 2017.
No penúltimo ano, as vendas externas das commodities agrícolas mato-grossenses resultaram em R$ 47,745 bilhões (US$ 14,556 bilhões), com o dólar a R$ 3,28. Já a receita proveniente da cobrança do ICMS cresceu 12,98% no ano passado, comparado com 2017 (R$ 9,049 bilhões), segundo a Secretaria de Estado de Fazenda (Sefaz). Para 2019, a previsão é arrecadar R$ 10,987 bilhões com o ICMS, conforme a Lei Orçamentária Anual (LOA).
Durante os 21 anos de vigência da Lei Kandir, as negociações de commodities agrícolas de Mato Grosso com outros países resultaram no faturamento de US$ 159,942 bilhões. Se por um lado a referida lei complementar alavancou as exportações brasileiras e a produção nacional, por outro reduziu a arrecadação dos Estados ao isentar do ICMS as matérias-primas exportadas.
Por isso, até 2002 a União ressarcia os estados exportadores pelas perdas de ICMS incluindo no orçamento recursos específicos para essa finalidade. Isso mudou em 2003 com a Lei Complementar 115/2002, que estabeleceu valor para a compensação. Contudo, trouxe outra consequência, já que desde 2004 esses repasses dependiam de negociação entre os governadores e o Ministério da Fazenda.
Em artigo de sua autoria sobre o tema, o conselheiro do Tribunal de Contas de Mato Grosso (TCE), Luiz Henrique de Lima, observa que a compensação financeira aos estados, prevista na Lei Kandir, é ínfima e os valores e coeficientes de distribuição estão congelados desde 2003.
Mato Grosso recebeu R$ 28,4 milhões como compensação à Lei Kandir em 2017, ante exportações de US$ 14,556 bilhões naquele ano. Na tentativa de encurtar a abismal distorção, foi instituído o Auxílio Financeiro de Fomento às Exportações (FEX). Mas, o auxílio não é uma fonte de receita permanente para estados e municípios, registra o conselheiro em seu artigo. Trata-se apenas de uma dotação eventual, retirada do orçamento federal. “(...) Tem sido concedido por meio de medidas provisórias (MPs) ou projetos de lei (PLs) apresentados ao final do ano, se houver disponibilidade de caixa na União”, completa.
Por meio do FEX são assegurados valores mais significativos que os da Lei Kandir e que giram em torno de R$ 375 milhões (Estado) e R$ 125 milhões (municípios). Em 2017, a União repassou R$ 374,9 milhões relativos ao FEX, de acordo com dados da Sefaz. Mato Grosso é o principal beneficiário do FEX por sua contribuição para o saldo da balança comercial brasileira.
Ainda assim, o repasse correspondente a 2018 ainda não foi efetuado e tem sido negociado pelo governo do Estado, com apoio da bancada federal. “Nosso objetivo é atingir a compensação plena. Agora, se é factível do ponto de vista fiscal para a União repassar esses valores, é outra história. Sabemos que a equipe econômica tem resistido em fazer essa regulamentação da Lei Kandir”, afirma o secretário de Fazenda, Rogério Gallo. Segundo ele, se Mato Grosso recebesse regularmente R$ 1,2 bilhão por ano já seria possível suprir o deficit das contas do Estado.
Dívida - Estimativas dos estados exportadores de matérias-primas indicam que o passivo da União com os entes federados alcança R$ 600 bilhões por causa da Lei Kandir. Essa compensação, porém, não seria mais devida à maioria dos estados brasileiros, conforme manifestou entender a área técnica do TCU.
É que a transferência de recursos irá perdurar -conforme definido na LC 87/1996 e LC 115/2002) -até que o imposto (estadual) “tenha o produto de sua arrecadação destinado predominantemente, em proporção não inferior a 80%, ao estado onde ocorrer o consumo das mercadorias, bens ou serviços”.
Esse sistema de entrega de recursos - previsto na Lei Kandir - permanecerá vigente enquanto não for editada LC que a substitua. No caso de Mato Grosso, por exemplo, o percentual limite de 80% estaria muito próximo de ser alcançado, segundo informações de bastidores no Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz). Sendo assim, Mato Grosso não teria mais direito à compensação pelas exportações desoneradas.
“A polêmica é essa: se o total de imposto que o Estado arrecada internamente for superior a 80% do que arrecada pelo que remete para outros estados, então não seria mais devida a compensação da Lei Kandir”, detalha o economista Jonil Vital de Souza. Ele explica que em Mato Grosso a cobrança do ICMS nas operações interestaduais é feita de duas formas, em relação à origem e destino das mercadorias. Sobre o produto mato-grossense despachado para outros estados incide alíquota de 12% de ICMS.
Quando as mercadorias provenientes da região Sul e Sudeste entram em Mato Grosso, esses estados cobram 7% de ICMS. O Fisco estadual forma, então, outra equação e cobra do contribuinte a diferença de 10%, totalizando 17%, que é a alíquota interna. Já os demais estados brasileiros que enviam mercadorias para Mato Grosso cobram 12%. Para completar a alíquota interna, o governo recolhe internamente mais 5%.
Regulamentação - Na última quinta-feira (21), o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes concedeu mais 12 meses de prazo para que o Congresso regulamente os repasses da Lei Kandir. O ministro acatou pedido da Advocacia-Geral da União e considerou, em sua decisão, o “grave quadro fiscal” da União e dos estados. Na terça-feira (19), Mendes e o presidente do STF, Dias Toffoli, estiveram reunidos com 12 governadores para discutir o tema.
Em novembro de 2016, o STF fixou prazo de 12 meses para que o Congresso editasse LC regulamentando a compensação financeira da União aos estados, devido à Lei Kandir. Como a regulamentação não ocorreu no prazo previsto, o Supremo decidiu que o TCU deveria definir os critérios e o montante a ser transferido aos estados, inclusive das perdas ainda não compensadas. Em cumprimento à decisão, o TCU constituiu grupo de trabalho e iniciou procedimento de levantamento de informações, para estudar a matéria.
Autor: Silvana Bazani com Gazeta Digital