Sexta-Feira, 19 de Abril de 2024

Amazônia lidera casos de violência sexual e ministra propõe criação de 'fábrica de calcinhas'




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"Gente, será que o Brasil não descobriu que o paraíso é aqui? Vocês têm uma ilha extraordinária. Eu vejo turista do mundo todo cruzando o mundo para ir para o Havaí, pra colocar um colarzinho e dançar hola. Vamos ver os turistas do mundo todo chegando aqui para dançar carimbó", disse, em discurso no dia 18 de julho em Breves, a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves.

Naquele dia, Damares lançou o programa Abrace o Marajó, com o objetivo de erradicar o abuso e a exploração sexual e a violência contra a mulher no país. Cogitou, na ocasião, até criar um gabinete próprio na cidade.

"O projeto é unir todos os ministérios pra agora. As crianças do Marajó têm pressa. Inclusive eu estava conversando com a minha assessoria se há a possibilidade de eu ter um gabinete aqui no Marajó. Eu sei o que é violência contra criança. Fui estuprada aos seis anos e fui barbaramente agredida por um homem hospedado na minha casa", disse a ministra, ao participar de audiência pública sobre o tema na cidade.

"Por que os pais exploram [as crianças]? É por causa da fome? Vamos levar empreendimentos para a ilha do Marajó, vamos atender às necessidades daquele povo. Uns especialistas chegaram a falar para nós aqui no gabinete que as meninas lá são exploradas porque não têm calcinha. Não usam calcinha, são muito pobres. E perguntaram 'por que o ministério não faz uma campanha para levar calcinhas para lá?'", questionou. "Nós temos que levar uma fábrica de calcinhas para a ilha do Marajó, gerar emprego lá, e as calcinhas saírem baratinhas para as meninas", disse a ministra, em discurso disponível no Youtube.

A ministra escolheu Marajó para lançar o programa nacional porque a região é emblemática quando se trata da exploração sexual infantil. A fama começou em 2006, quando denúncias revelaram uma rede de exploração sexual de crianças e tráfico de drogas no município de Portel (PA), vizinha de Breves, que envolvia vereadores, empresários, autoridades policiais, servidores públicos. Historicamente, os casos de exploração sexual comercial na região ocorrem com o consentimento ou não dos pais, seja na área urbana, rural ou nos rios, em balsas.

Procurado pela reportagem, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos afirmou que a Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente estará contribuindo com ações para a prevenção e o enfrentamento das violações aos direitos de crianças e adolescentes da região, com especial atenção ao abuso e a exploração sexual.

Além disso, informou que estão sendo firmadas parcerias com as prefeituras de Soures e Breves para a realização de capacitação dos atores do Sistema de Garantia de Direitos, de profissionais da educação, da saúde e da segurança, "ainda durante este mês de novembro". Ainda de acordo com a pasta, "está prevista para dezembro uma grande ação em parceria com a iniciativa privada para a distribuição de brinquedos e material educativo para alertar pais, responsáveis, crianças e adolescentes acerca do abuso e da exploração sexual".

"A exploração sexual infantil, infelizmente, é uma mazela social encontrada em diferentes municípios da região marajoara Ocidental, destacando-se em Portel, Melgaço, Curralinho, Chaves, Afuá, Muaná e no município de Breves que é considerado o mais bem estruturado e que concentra o maior número de habitantes", explica estudo da pesquisadora Jacqueline Tatiane da Silva Guimarães, doutora em educação e mestre em Serviço Social pela Universidade Federal do Pará (UFPA).

Ela destaca que a exploração sexual, violência, educação precária, fome e dentre outros problemas fazem parte da vida dessas infâncias. "O quadro de pobreza atinge diretamente a infância marajoara, que se torna alvo de exploração, violência e assédios, tendo os seus corpos vistos como simples força de trabalho e mercadoria."

Para além das calcinhas, vulnerabilidade econômica e a pobreza das famílias parecem ser os elementos mais determinantes para a falta de proteção das crianças contra este tipo de crime. A economia do Marajó é marcada historicamente por atividades predatórias de matérias-primas, que geraram renda concentrada na mão de poucos extraem riqueza sem gerar bem-estar para a população, como a exploração da borracha e da madeira, deixando um rastro de desemprego que perdura até hoje.

No Arquipélago do Marajó, estão concentrados os municípios mais pobres do Estado do Pará e do Brasil, com o menor PIB per capita do Estado. O rendimento mensal das famílias gira em torno das vendas do açaí e mandioca na feira do agricultor em Breves, juntamente com benefícios sociais, segundo estudo das pesquisadoras Avelina Oliveira de Castro e Maria Angelica Motta-Maués, da Universidade Federal do Pará (UFPA).

"Na cidade, só 6,1% de domicílios têm esgotamento sanitário adequado. A água é distribuída só quatro horas por dia, e não para todos os bairros. Por isso, uma cena comum é ver as crianças dedicando parte do dia a levar em baldes a água que tiram diretamente do Rio Parauaú, o principal da cidade, ou dos caminhões-pipa", diz a pesquisadora Jacqueline Guimarães, da UFPA. "A realidade da infância está intimamente ligada à realidade das famílias marajoaras, que refletem nas crianças as condições de vida que estão sendo submetidas, a falta de emprego, baixa escolaridade", diz, em artigo. "As crianças acabam por não ter seu desenvolvimento garantido, pois as crianças no Marajó têm seus direitos violados porque suas famílias estão sendo violadas, e sua luta diária acaba sendo pela própria sobrevivência."


Autor: Ligia Guimarães com BBC


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